terça-feira, 27 de outubro de 2009

- Gabriel García Marquez em O Amor nos Tempos do Cólera:

Fosse como fosse, lhe dava trabalho entender que dois adultos livres e sem passado, à margem dos preconceitos de uma sociedade fechada em si mesma, tivessem escolhido o risco dos amores proibidos. Ela lhe explicou: "Era seu gosto". Além disso, a clandestinidade compartilhada com um homem que nunca tinha sido seu por completo, e na qual mais de uma vez conheceram a explosão instantânea da felicidade, não lhe pareceu uma condição indesejável. Ao contrário: a vida lhe havia demonstrado que talvez fosse exemplar.

domingo, 25 de outubro de 2009

- Mario Vargas Llosa em Travessuras da Menina Má:

Apertei sua cintura, atraindo-a para mim, e disse que se ela resolvesse esquecer monsieur Arnoux e se casar comigo eu prometia deixá-la ter uma vida normal, criando todos os cães que quisesse. Em vez de responder, perguntou, zombeteira:

- A idéia de passar a noite comigo faz você se sentir o homem mais feliz do mundo, miraflorense? Pergunto só para ouvir uma dessas breguices que você tanto gosta de falar.
- Nada poderia me deixar mais feliz - disse eu, apertando meus lábios contra os dela. - Há anos que sonho com isso, guerrilheira.
- Quantas vezes vai fazer amor comigo? - continuou, com o mesmo jeitinho debochado.
- Todas que puder, menina má. Dez, se o corpo agüentar.
- Só deixo duas - avisou, mordendo a minha orelha. Uma na hora de deitar e outra de manhã. Mas nada de levantar cedinho. Para não ter rugas, nunca, preciso no mínimo de oito horas de sono.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

- Marcelo Rubens Paiva em Feliz Ano Velho:

O espelho nos dá esta sensação mágica de, subitamente, tomar consciência de si mesmo. É o momento que você se encontra com o que você representa para o mundo. "Ah, então é assim que eu sou." Repare que em frente ao espelho, a gente sempre faz uma careta. É porque achamos que somos diferentes daquilo que realmente somos.
- José Saramago em Memorial do Convento:

se não houvesse tristeza nem miséria, se em todo o lugar corressem águas sobre as pedras, se cantassem aves, a vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância, que descobri-las não valeria a vida duma flor.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

- Alex Haley em Negras Raízes:

Com a voz trêmula, Massa Muray leu bem devagar o que estava escrito no papel em sua mão, dizendo que o sul perdera a guerra. E fazendo um esforço tremendo para não sufocar, diante da família preta parada a sua frente, ele acrescentou:
- Acho que isso significa que vocês são tão livres quanto nós. Podem ir embora, se quiserem. Podem ficar, se preferirem. E quem quer que decida ficar, eu tentarei pagar alguma coisa...

Os Murray pretos começaram a pular, cantar, rezar, gritar, numa explosão de alegria renovada.
- Somos livres!
- Finalmente, livres!
- Obrigado, Jesus!

(...)

- Liberdade! Liberdade!

Ao ouvir, Uirah se levantou e saiu correndo da cabana. Foi primeiro até o chiqueiro e gritou:
- Porcos! Podem parar de grunhir! Vocês agora são livres!
Depois foi até o estábulo:
- Vacas! Podem parar de dar leite! Vocês agora são livres!
E em seguida foi para o galinheiro:
- Galinhas! Podem parar de botar ovos! Vocês agora são livres... E EU TAMBÉM SOU!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

- Contardo Calligaris em O Conto do Amor:

Quando eu conversava com Giorgio (esse era o nome do rapaz) e escutava suas idéias confusas, parecia-me que suas escolhas eram ditadas por uma única razão: ele não conseguia achar graça na vida como ela é. Não sabia trocar duas palavras com o vizinho ou ficar parado para não incomodar o passarinho que pousa na mesa do restaurante. Não cantarolava no banho. Não sabia o que era a alegria de esbarrar num quadro, num desenho, num edifício que nos comove; não sabia nada da beleza.

Para que a vida tivesse graça, era como se ele precisasse brincar com fogo.

Há uma geração, Pinin, que perdeu o entusiasmo de viver. Eles não conseguem encontrar nas esquinas do dia-a-dia o punhado de aventura que é necessário para colorir a vida. Pagam qualquer preço para se envolver numa história que lhes dê a ilusão de fazer parte da História.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

- J. D. Salinger em O Apanhador no Campo de Centeio:

Há uns dois anos conheci uma garota que era ainda mais safada do que eu. Safada é apelido. De uma maneira meio marota, é claro. Sexo é o tipo da coisa que não consigo entender direito. A gente nunca sabe em que ponto está. Vivo estabelecendo uma série de regras sexuais para mim e aí, não demora muito, desobedeço a todas elas. No ano passado resolvi nunca mais ficar me esfregando com nenhuma pequena que, no fundo, eu achasse uma chata. Na mesma semana quebrei a regra - para dizer a verdade, na mesma noite. Passei a noite toda atracado com uma cretina terrível, chamada Anne Louise Sherman. Sexo é um troço que não entendo mesmo. Juro que não entendo.

sábado, 17 de outubro de 2009

- Milan Kundera em O Livro do Riso e do Esquecimento:

A irresistível proliferação da grafomania entre os políticos, os motoristas de táxi, as parturientes, os amantes, os assassinos, os ladrões, as prostitutas, os prefeitos, os médicos e os doentes me demonstra que todo homem sem exceção traz em si sua potencialidade de escritor, de modo que toda a espécie humana poderia com todo direito sair na rua e gritar: Somos todos escritores!

Pois cada um de nós sofre com a idéia de desaparecer, sem ser ouvido e notado, num universo indiferente, e por isso quer, enquanto é tempo, transformar a si mesmo em seu próprio universo de palavras.

Quando um dia (isso acontecerá logo) todo homem acordar escritor, terá chegado o tempo da surdez e da incompreensão universais.