quarta-feira, 1 de abril de 2015

- Anthony Burgess em Laranja Mecânica:

"Ambos pareceram então um pouco pensativos. Em seguida, o Dr. Brodsky disse: - Delimitação é sempre difícil. O mundo é um só, a vida é uma só. A mais doce e a mais celestial das atividades compartilha em alguma medida com a violência; o ato do amor, por exemplo; música, por exemplo. Você deve fazer sua escolha, garoto. A escolha sempre foi toda sua."


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

- Clarice Lispector em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres:

"Sentou-se diante do papel vazio e escreveu: comer - olhar as frutas da feira - ver cara de gente - ter amor - ter ódio - ter o que não se sabe e sentir um sofrimento intolerável - esperar o amado com impaciência - mar - entrar no mar - comprar um maiô novo - fazer café - olhar os objetos - ouvir música - mãos dadas - irritação - ter razão - não ter razão e sucumbir ao outro que reivindica - ser perdoada da vaidade de viver - ser mulher - dignificar-se - rir do absurdo de minha condição - não ter escolha - ter escolha - adormecer - mas de amor de corpo não falarei.

Depois dessa lista ela continuava a não saber quem ela era, mas sabia o número indefinido de coisas que podia fazer."


sábado, 10 de novembro de 2012

- Gabriel García Márquez em Doze Contos Peregrinos:

"Encontrou finalmente a fechadura, ouvindo os passos contados na escuridão, ouvindo a respiração crescente de alguém que se aproximava tão assustado quanto ela no escuro, e então compreendeu que havia valido a pena esperar tantos e tantos anos, e haver sofrido tanto na escuridão, mesmo que tivesse sido só para viver aquele instante."


terça-feira, 10 de julho de 2012


- Jack Kerouac em Os Subterrâneos:

'Às vezes quando ela fala e minha cabeça está debaixo da dela sobre o travesseiro e eu vejo seu queixo a covinha a mulher em seu pescoço, eu a vejo profundamente, abundantemente, o pescoço, o queixo fundo, sei que ela é uma das mulheres mais emulheradas que eu já vi, morena de eternidade incompreensivelmente bela e sempre triste, profunda, tranqüila -

Quando eu a agarro em casa, pequena, e a aperto, ela grita, me faz cócegas furiosas, eu rio, ela ri, os olhos dela brilham, ela me dá socos, quer me bater com uma vara, diz que gosta de mim -

Eu me escondo com ela na casa secreta da noite -
O dia nos encontra místicos em nossos mantos, coração a coração -

"Minha irmã!" pensei de repente na primeira vez que a vi -
Luz apagada.'



quarta-feira, 27 de junho de 2012


- Jostein Gaarder em O Castelo nos Pirineus:

"Nem todas as garotas de vinte anos têm essa capacidade de imaginar a ausência de sua própria existência, pelo menos não com tanta intensidade. Mas isso passou a ser o nosso ponto de referência quase cotidiano. Não era à toa que nos arrojávamos nas mais frenéticas aventuras. No fim, eu já não precisava perguntar por que você estava chorando. Eu sabia por quê, e você sabia que eu o sabia. Então eu propunha passear nos bosques ou nas montanhas. Foram muitas as nossas excursões alentadoras na floresta ou nos ermos. Você adorava o contato com a natureza. Mas esse seu amor pelo que às vezes chamava de "natureza total" era, de certo modo, uma paixão infeliz, pois você sempre soube que um dia seria traída por aquilo que tanto amava e, em última instância, ia ficar na mão.

Era assim. Você oscilava entre o riso e o pranto. Sob a fina camada da fervorosa alegria de viver, o que havia lá dentro era tristeza. Comigo ocorria o mesmo. Nós éramos parecidos. Mas creio que a sua tristeza era mais profunda que a minha. Assim como o seu entusiasmo e o seu encanto."




quarta-feira, 14 de setembro de 2011


- John Steinbeck em A Pérola:

"Olhando-o em segredo, Juana viu-o sorrir. E, porque eles eram de algum modo uma só pessoa e uma só intenção, ela sorriu com ele.

E os dois começaram aquele dia com esperança."



segunda-feira, 18 de abril de 2011

- John Steinbeck em As Vinhas da Ira:
(Post II)


Nos mundos, a conduta social tornou-se rígida e fixa, de maneira que um homem tinha de dizer "bom dia" quando o cumprimento lhe era exigido; um homem podia viver com uma pequena e, se quisesse ficar com ela, teria de protegê-la e proteger-lhe os filhos. Mas um homem não podia ter uma mulher numa noite e outra na noite seguinte, pois que tal coisa viria pôr em risco os mundos.

(...)

Governos eram formados, governos com líderes e anciãos. Um homem inteligente descobria logo que sua inteligência era de utilidade nos acampamentos; um homem ignorante não conseguia impor sua ignorância ao mundo. E uma espécie de seguro desenvolvia-se nessas noites. Um homem que tinha o que comer alimentava outro que nada tinha, e dessa maneira assegurava comida para si próprio para quando suas reservas se esgotassem. E quando uma criança morria, uma pequena pilha de moedas juntava-se à porta da tenda dos pais, pois que uma criança tem que ter um enterro condigno, já que nada obteve na vida. Um adulto podia ser sepultado em vala comum; uma criança, nunca.